Fodido tão completamente o país perdeu até o nome.
Logo após o primeiro incidente, ocorrido numa extensa propriedade a cerca de cem quilómetros da antiga capital, o dr. Fernando Augusto de Sousa pediu informações sobre o plasma sanguíneo disponível no hospital, enquanto numa cidade setecentos quilómetros para oeste, Wilson e sua namorada Suzana interrompiam o beijo sacudidos pela notícia no rádio do carro, embora nenhum deles imaginasse então até que ponto em três ou quatro meses seria trabalho perfeito de demolição. As cidades desapareceram e a população sobrevivente espalhou– se pelo mato ou formou colunas de mais de três milhões de refugiados para países que têm nome. Um jornalzinho clandestino ( folha A4 impressa dos dois lados), calculou que em vinte cidades cerca de um milhão e meio de pessoas tinham sido soterradas nos edifícios, destruídos a tiro de canhão, disparos de blindados, lança roquetes ou mísseis de curto e médio alcance, em certos casos provenientes de helicópteros ou de vedetas, noutros graças a explosões de gás nos prédios seguidas de labaredas, de dentro das quais milhares mergulharam no vazio mortal.
Houve uma cidade de médio porte incendiada pelos próprios defensores antes de retirarem e, do alto de uma colina, o comandante parou para ver as chamas e ouvir os comentários do sub– comandante sobre o incêndio de Moscovo contra Napoleão, quadro histórico muito focado nos tempos da escola militar.
Foi massacre nunca visto em tão curto espaço de tempo, pior que Ruanda no final do século XX e dos armênios da Turquia, no começo do mesmo. Ao contrário desses, onde os assassinos eram legiões numerosas, no país hoje anonimo foi choque entre unidades de media dimensão pelo controle de espaço, uns em relação aos outros. Como estava difícil, arrasaram os espaços sem qualquer preocupação relativa aos habitantes.

JONUEL GONÇALVES é economista e professor universitário. Colunista no caderno de economia do seminário luandense Novo Jornal, de momento dá aulas na graduação de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro, no Brasil.

Pela Mayamba publicou, os seguintes livros:

- "A Economia ao longo da História de Angola";
- "Franco Atiradores - informal e espontâneo nas vias de abertura em Angola";
- "A Economia ao longo da história";
- " Manual de Estudo sobre África";
- "África no Mundo Contemporâneo";
- " A Ilha de Martín Vaz";
- "A Economia de Angola nos Espaços Austrais".