O mundo que atravessa o teu belo romance é um mundo de guerra (mbuanga), com o seu cortejo de horrores: raptos, insegurança, medos, fome e morte. Mas, julgo eu, a mensagem que subjaz à tua obra literária, como um cacimbo que penetra subtilmente até aos ossos, é a do amor, da esperança de melhores dias para esta tua gente
do país que tanto amas, Angola.
Sem este teu grande amor, como o de Jamba por Florença, de Zeca por Caty, dos pais/avós pelos filhos/netos e vice-versa, sem essa grande esperança no futuro e sem a coragem dos militares e dos civis, acantonados em diferentes trincheiras, ser-te-ia impossível elaborar este romance de grande fôlego e qualidade, na sua trama narrativa e na sua estética fina.
Escolheste Caconda, a tua terra natal, como o centro de explosão/implosão bélica, de desagregação familiar e social, e, a partir desse microcosmo de profunda ruralidade angolana, vais tecendo a macronarrativa das guerras angolanas e das suas consequências irreversíveis: a guerra que dispersa e destrói o tecido mais sagrado e seguro, a célula familiar, fragmentando o tecido humano e social, levando ao corpo e ao coração (alma) do ser humano o horror, o medo, a fome, a insegurança total, tendo como final a morte, a ruptura das solidariedades ancestrais, a solidão aterradora e o egoísmo desenfreado.
E se Caconda ainda tentava manter a dignidade do respeito, solidariedade e vínculos sociais, a grande urbe, o Lubango, a terra dos sonhos (a cidade das luzes, o éden/paraíso) dos camponeses amedrontados, vai representar o fim desses laços de solidariedade indiscutível, gerando uma maldita sinfonia de misérias: as mazelas da prostituição, da sida, do trabalho precário das zungueiras e dos «dá brilho», a mendicidade total dos kotas, quais cães-humanos na luta por um pedaço de comida nos contentores do lixo.
O teu romance é um romance-testemunho, verdadeiras estórias de vida, atentíssimo à realidade natural e social que envolve as tuas personagens, sem que tu, narrador omnisciente, tomes partido em relação a qualquer dos lados da contenda. Como o poderias fazer, se avós, pais, filhos e irmãos estão, por força das circunstâncias, em
diferentes trincheiras de combate? Só a tua amada natureza rural, a pequena/grande família angolana, os pequenos/grandes amores dos avós, pais, filhos, namorados e amigos, o grande companheirismo/amizade dos civis e militares, em tempo de
guerra e perdição, subsistem, contra tudo e contra todos.
Pelo teu romance perpassa a genuína sabedoria angolana, tão antiga como o mundo: provérbios e canções (de amor e de guerra; de ninar e de trabalho), orações mágico-religiosas, jogos infantis, a culinária típica, os rituais/crenças e festas agrícolas.
A tua grande narrativa entremeia momentos de pausa e de avanço, num estilo cuidado, cheio de metáforas arrojadas, materializando os linguajares populares, repleto de interjeições e onomatopeias castiças, calão e gíria, servindo-te de empréstimos lexicais das línguas nacionais, de construções frásicas angolanas, já padronizadas pelo uso, sobretudo nos teus diálogos vivos, que casam naturalmente o discurso directo e indirecto, de modo livre, e esteticamente conseguido.
Julgo ser o primeiro romance angolano que aborda, de modo frontal, «desapaixonadamente imparcial», corajoso e, diria mesmo, patriótico, o tema-tabu das recentes
«guerras angolanas», que, quer queiramos ou não, farão parte da rica história da tua querida Pátria.
Não fechas o teu romance: tudo fica em aberto, sem o happy end, esse fim feliz que muitos leitores adoram… Mas a linhagem angolana não desaparece… Perpetua--se nos mõla(kandengues), adultos antes do tempo, «órfãos de tudo e de nada», que gerarão novas lavras, novos futuros, porque lutaram e permaneceram na sua amada Pátria, possuidores dum amor corajoso e solidário, que tudo supera, digerindo o passado, glorioso e sofrido, catapultado para um esperado futuro melhor na/para a Pátria angolana.
Fui teu professor, somos «companheiros de carteira» na Universidade, lutando, sempre, pela competência e dignidade…
O futuro de Angola depende, primordialmente, do labor persistente, sério e criativo de jovens como tu, meu querido amigo…
«Uma memória a ter-se Mas não aquela que o futuro impeça3»
— Morrer em Angola, para viver em Angola!—
ISCED da Huíla, 21 de Março de 2011
Américo Correia de Oliveira
(Professor titular do ISCED da Huíla)
PAULINO SOMA ADRIANO - É natural da província da Huíla. Nasceu em 8 de Março de 1982. É doutor em Linguística pela Universidade de Évora; mestre em Consultoria e Revisão Linguística pela Universidade Nova de Lisboa e licenciado em Linguística Portuguesa pelo Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED - Huíla).
Foi docente no ISCED-Huíla e Chefe da Repartição de Ensino e Investigação do Português na mesma Instituição.
É, actualmente, Decano da Escola Superior Pedagógica do Cunene.
Em 2013 publicou a obra poética «Amálgama d´Almas»; em 2016, o ensaio « A crise normativa do português em Angola: cliticização e regência verbal- que atitude normativa para o professor e o revisor?»
Foi assistente de revisão linguística e de projectos na ONG ACORD (Agency for cooperation and Research in Development). Coordenou o Projecto « Falando sobre a Terra no Consórcio Terras da Huíla - CTH».
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Título: VIVER E MORRER EM ANGOLA
Autor: Paulino Soma Adriano
Colecção: Nzadi
Design gráfico: Carlos Roque/Mayamba Editora
Edição: MAYAMBA EDITORA
Rua Rio Cuango, n.º 16, Condomínio Vila Rios
Camama, Luanda-Sul
E-mail: mayambaeditora@yahoo.com
Site: www.mayamba-editora.com
Editor: Arlindo Isabel
E-mail: arlisabel.isabel@gmail.com
Impressão e acabamento: Damer Gráficas, SA Talatona, Luanda-Angola
Tiragem: 5000 exemplares
1.ª edição na Mayamba
Luanda, Julho de 2016
Depósito Legal n.º 7534/2016
ISBN: 978-989-761-098-1
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