Introdução

No início de 2014, um conjunto de velejadores representou Angola na maior, mais antiga e mais importante regata do Hemisfério Sul: a <<<Cape2Rio», que liga a Cidade do Cabo, na África do Sul, ao Rio de Janeiro, no Brasil. Essa viagem foi um empreendimento de vários anos e que envolveu muitas dezenas de pessoas. O projecto, nascido em 2011, visava favorecer o desenvolvimento da vela em Angola e divulgar o país e a sua gente através do desporto.
O que pode parecer algo de simples no papel, quando visto de perto é um enorme exercício de organização e planeamento, uma aventura de resiliência quase sobre-humana. Porque uma regata transoceânica não é um mero passeio de fim-de-semana, são precisos: muita logística, muito treino físico e estratégico, muita disponibilidade pessoal, muito espírito de sacrifício e muita convicção. A convicção de que todos os grandes riscos corridos valem a pena. A vela oceânica é um desporto extremo, radical, arriscado. Uma travessia como a que o «Team Angola» realizou em 2014 leva os homens e os materiais ao limite. Um barco de competição é inóspito, tem pouco espaço, não há privacidade, não há beliches para toda a tripulação em simultâneo, trabalha-se muito e por turnos (a que, em linguagem marítima, se chamam «quartos»). Ou seja, tem de haver muita paixão para se estar no mar semanas a fio sem ver outra coisa que não o céu e o oceano (ambos com os seus caprichos). Além disso, uma regata é uma competição. Todas as dificuldades de uma viagem se multiplicam quando se está em contra-relógio. Todo o peso do barco conta, todas as demoras são decisivas.
Estar a bordo de um veleiro nessas condições é um gigantesco desafio composto por milhares de outros desafios, tanto técnicos (avarias, quebras, rasgões), como meteorológicos. (tempestades e calma rias) ou emocionais (decidir sob pressão, sentimento de responsabilidade). No entanto, também é fonte de enorme satisfação. A sensação de triunfo por chegar ao fim de uma travessia desta escala - ou apenas por ter participado nela - é algo que poucos conhecem.
Este livro tenta mostrar ao leitor como é estar nessa posição. Nestas páginas vai-se contar, especificamente, a história de dois veleiros: B. e Mussulo III. Esses dois barcos de 55 pés percorreram muitas milhas e o seu sonho de chegarem à Cidade Maravilhosa teve, pelo caminho, contornos de pesadelo. Tudo o que as duas tripulações viveram foi emocionante - desde a génese da formação do «Team Angola» aos respectivos desfechos - e essa história merece ser contada.
Os acontecimentos em torno da participação angolana na regata <<<Cape2Rio» 2014 poderiam ter sido romanceados, mas quis-se que esta obra fosse um documento fiel aos acontecimentos, que servisse de registo de factos importantes e interessantes, de homenagem aos envolvidos e de introdução ao tema da vela para os meramente curiosos que gostariam de conhecer melhor este desporto e os seus desen- volvimentos em Angola. A história que o leitor vai encontrar nestas páginas é uma história de planeamento, organização, coragem, perigo, emoção, tragédia e, sobretudo, de superação e perseverança. Como tal, não precisa de ser romantizada. A realidade foi mais empolgante do que qualquer relato literário. Posso garanti-lo porque estive muito perto das pessoas que viveram os acontecimentos.
Tenho hoje uma admiração imensa por estes homens do mar, com sangue salgado nas veias, que agarram o leme com força, paixão e seguem no encalço da história. O seu projecto visionário de participa- rem na regata «Cape2Rio» em 2014 tem inspirado muitos, tal como muitos deles se haviam sentido inspirados com a participação angolana na mesma prova em 1973. Que a sua capacidade de lidar com o desconhecido, a sua abnegação e a sua camaradagem sejam um exemplo para todos os que navegam e que inspirem mais pessoas a começar a velejar. Afinal, dois terços do globo estão cobertos de água...

Milai Veloso Nunes


Maria Adelaide Veloso Nunes, nasceu em Angola, cresceu em Luanda, aos 17 anos iniciou os estudos universitários na Faculdade de Engenharia da UAN, um ano depois mudou-se para Lisboa para concluir a licenciatura. Regressou a Luanda em 1996.
Licenciada em Informática, com Pós-graduação em Gestão Aplicada, exerce a sua actividade profissional numa empresa petrolífera.