o cartoon “Zé da Fisga”, que representa o soldado português que combateu na Guerra colonial, entre 1961 e 1974. Publicado na Notícia, revista com sede em Luanda (Angola), trata-se de um retracto crítico e humorístico, sem mortos nem feridos. Através do método análise de imagem é dada a conhecer uma das realidades sociais do conflito.
Para Miguel Sousa Tavares, o humor “desarma, o que é bem mais eficaz na guerra. Há, aliás uma longa história da utilização dos cartoons em situação de guerra, como verdadeira arma de propaganda. […] Os cartoonistas eram uma espécie de exército de retaguarda, mobilizado para atacar o inimigo ridicularizando-o e para fortalecer o ânimo das tropas combatentes e civis.”29 O humor do “Zé da Fisga”, apartidário, segundo o autor do desenho, servia para afastar a atenção de assuntos mais sérios relativos à guerra e para distrair os militares.
O protagonista/personagem principal do cartoon, baptizado de “Zé da Fisga”, era jovem, vestia uniforme de campanha (camuflado) e no bolso direito transportava uma fisga. Segundo os cartoons publicados na Notícia, o “Zé da Fisga” era incompetente, distraído e preguiçoso. Gostava de cerveja e adorava mulheres. O militar nunca aparece sozinho. No cartoon, existem personagens secundárias. Refiram-se um sargento autoritário, outros militares e mulheres de várias raças.
O “Zé da Fisga”, cartoon que retractava os soldados portugueses destacados em Angola, ocupava sempre uma página inteira, a cores, no centro da revista. Era, portanto, um lugar de destaque. Foi publicado na Notícia entre 1967 e 1968. Esta personagem foi criada por Fernando da Silva Gonçalves que, na revista, assinava o cartoon com o pseudónimo “Nando”.
Fernando Gonçalves cumpriu serviço militar no Exército, em Portugal e em Angola. Desenhou o “Zé da Fisga”, no início da década de 60, para identificar a companhia à qual pertencia – Companhia de Caçadores 371. Antes de embarcar para a colónia, cansou-se de esperar pela distribuição de armamento e, por este motivo, deu ao desenho uma fisga. Desde então, a sua companhia passou a ser conhecida como a “Companhia do Zé da Fisga”. Posteriormente, o desenho foi aceite como brasão para ser usado com o uniforme de campanha. Em Angola, Fernando Gonçalves continuou a desenhar. As chefias militares aperceberam-se do talento do jovem e usaram-no para conquistar o apoio das populações. Fernando Gonçalves passou a desenhar imagens de acção psicossocial que depois eram lançadas pela Força Aérea Portuguesa nas matas de Angola. Em 1965, Fernando Gonçalves termina o serviço militar e permanece em Angola, onde constitui família.
O “Zé da Fisga” foi publicado pela primeira vez no jornal humorístico O Miau e passou também pela revista A Palavra. No entanto, foi na Notícia, pela primeira vez a cores, que conquistou fama. Mais tarde, foi ainda publicado em formato postal e associado a anúncios publicitários de marcas de tabaco.
O “Zé da Fisga” mostrou uma guerra onde os militares nem se cruzavam com o inimigo. Assim se tranquilizava a opinião pública e os próprios militares, imaturos e com fraca instrução militar.
O cartoon “Zé da Fisga” é, sem dúvida, um dos muitos retractos possíveis do militar português que deixou a metrópole e partiu para a guerra. Não há nele toda a verdade, mas há nele parte da verdade e há nele também pormenores relevantes sobre o quotidiano do militar destacado. Este não é um retracto de todos os militares em geral, mas sim o retracto crítico e humorístico centrado no posto mais baixo da hierarquia militar – o soldado.
Entre uma imagem e a realidade existe um caminho nem sempre fácil de percorrer. Analisar o “Zé da Fisga” sem conhecimentos sobre a Guerra Colonial e a sociedade portuguesa das décadas de 60 e 70, na metrópole e nas províncias, não nos permite fazer a ligação correcta entre a imagem e a realidade. “A fotografia, o filme etnográfico […], os museus e outros recursos imagéticos […], colocam-se como recursos de investigação, por mais que tenham expressividade na percepção em torno dos fenómenos sociais, e, pela sua importância e complexidade aqui revelada, necessitam da reflexão crítica, da compreensão de que resultam de processos também complexos e relativos”.
Segundo Nuno Severiano Teixeira, a “Guerra Colonial é indiscutivelmente um dos temas mais importantes da história recente de Portugal, que deixou marcas e continua ainda a ter marcas na sociedade portuguesa e que é necessário, é urgente que seja estudado”. “Historiadores mais jovens, sem experiência vivida e sem memória directa do acontecimento” podem hoje, “com maior distanciamento histórico e com grelhas analíticas, fazer um estudo científico, um estudo teórico sobre esta área.”
Esta foi apenas uma das análises possíveis deste cartoon. As mesmas imagens poderiam ser também analisadas, a título de exemplo, pelo olhar de ex-combatentes. O resultado seria certamente outro.
Compilação de cartoons na sua grande maioria da colecção particular do Rui Manuel Santos.
Edição da Lello & Companhia, Lda.
COLECTÂNEA DE CARTOONS – ZÉ DA FISGA – NANDO
VOLUME 1 (80 Pág.)
Inspirações base
Conceitos
Primeiros sketchs
Conceito político
Algumas brincadeiras
Imagens e fotos de apoio
Primeiros desenhos
VOLUME 2 (29 Pág.)
Sinais coloridos
Publicidade, sobretudo a tabaco
VOLUME 3 (99 Pág.)
Fase dois
Desenhos mais firmes
VOLUME 4 (94 Pág.)
Penteados e trajos de Angola
Signos
Um passeio incompleto pela BD
Os falsos Nandos
Jornal Zé da Fisga
Livro publicado depois de 1975 sem o Nando saber e/ou aprovar
VOLUME 5 (87 Pág.)
Fatita
Zézito
Nando vai ao cinema
Inéditos e também alguns dos cartoons mais infelizes do Nando
VOLUME 6 – 1º Parte (86 Pág.)
Jornal Miau
VOLUME 6 – 2ª Parte (92 Pág.)
Jornal Miau
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